Resumo Dom Casmurro - Machado de Assis
Maior escritor brasileiro,
Joaquim Maria Machado de Assis (1839-1908) era um mestiço de origem
humilde, filho de um mulato e de uma lavadeira portuguesa dos Açores.
Moleque de morro, magro, franzino e doentio, o maior escritor brasileiro
se fez sozinho, adquirindo a sua vasta e espantosa cultura de forma
inteiramente autodidata.
As obras
de Machado de Assis são dividas em duas fases bem distintas pela
crítica, cujo marco é o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas
publicado em 1881. Até essa data, a obra machadiana é marcante
romântica, e nela sobressai poesia, conto e romances como Ressurreição
(1872), A mão e a luva (1874), Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). Tais
obras pertencem, pois, à chamada primeira fase.
A
partir de 1881, com a publicação das Memórias, Machado de Assis muda de
tal forma que Lúcia Miguel Pereira, biógrafa e estudiosa do escritor,
chega a afirmar que "tal obra não poderia ter saído de tal homem", pois,
"Machado de Assis liberou o demônio interior e começa uma nova
aventura": a análise de caracteres, numa verdadeira dissecação da alma
humana. É a Segunda fase, fase perpassada dos ingredientes do estilo
realista.
Além de contos, poesia,
teatro e crítica, integram essa fase os romances seguintes, entre os
quais está o nosso Dom Casmurro (1900): Memórias Póstumas de Brás Cubas
(1881), Quincas Borba (1891), Esaú e Jacó (1904) e Memorial de Aires
(1908), seu último livro, pois morre nesse mesmo ano. Toda essa obra
está ligada ao estilo realista, embora seja correto reconhecer que um
escritor da categoria ao estilo realista, embora seja correto reconhecer
que um escritor da categoria de Machado de Assis não pode ficar preso
às delimitações de um estilo de época.
RESUMO
O
resumo e a análise não dispensam a leitura do livro, apenas reforçam o
raciocínio sobre ele, sobre o autor e sobre o período literário.
Dom
Casmurro, obra de Machado de Assis que pertence ao Realismo, enfoca a
história de seu protagonista, Bento Santiago. Uma das marcas do livro é o
aprofundamento psicológico de seus personagens.
Dom
Casmurro é um livro complexo e cada leitura origina uma nova
interpretação. Machado de Assis faz no romance um fato inacreditável em
sua narrativa: ele cria um narrador que afirma algo (ou seja, diz que
foi traído) e o leitor não consegue decidir-se se ele está mentindo ou
não. A obra significa, há muitos anos, mais um exemplo de adultério
feminino explorado na literatura realista. No entanto, há quem aponte
Bentinho, e não a esposa, Capitu, como o problema central a ser
desvendado. Sendo assim, o romance é lido e relido, com novas chaves que
cada vez mais comprovam tratar-se de um enigma elaborado pelo autor.
Dentre as tais chaves destaca-se a não-confiabilidade do narrador
(Bentinho), envolvido por sua personalidade ciumenta, invejosa, cruel e
perversa a ponto de destruir aqueles que amam por uma suspeita que o
leitor atento percebe ser no mínimo discutível.
O
romance Dom Casmurro é dividido em 148 capítulos de diversas dimensões,
predominando os curtos, assim como em Memórias Póstumas de Brás Cubas. A
narrativa vai lenta até o capítulo XCVII, a partir do qual se acelera,
como declara o próprio narrador, ao dar-se conta da sua lentidão: "Agora
não há mais que levá-la a grandes pernadas, capítulo sobre capítulo,
pouca emenda, pouca reflexão, tudo em resumo. Já esta página vale por
meses, outras valerão por anos, e assim chegares ao final" (Cap. XCVII).
Ação
- O enredo da obra não é dinâmico, já que predomina o elemento
psicológico. A narrativa é digressiva, ou seja, interrompida todo o
tempo por fugas da linearidade para acrescentar pensamentos ou
lembranças fragmentadas do narrador.
Foco
narrativo - O romance é narrado em primeira pessoa, por Bento Santiago,
que escreve a história de sua vida. Dessa forma o romance funciona como
uma pseudo-biografia de um homem já envelhecido que parece preencher
sua solidão atual com a recordação de um passado que nunca se distancia
verdadeiramente porque foi marcado pelo seu sofrimento pessoal. A visão,
pois, que temos dos fatos é perpassada da sua ótica subjetiva e
unilateral.
O Título - "Dom
Casmurro" reflete uma das características mais marcantes do protagonista
masculino no crepúsculo da existência: a visão amarga e doída de quem
foi traído e machucado pela vida, e, em conseqüência disso vai-se
isolando e ensimesmando. "Não consultes dicionários, Casmurro não está
aqui no sentido que eles lhe dão, mas no que lhe pôs o vulgo de homem
calado e metido consigo. Dom veio por ironia, para atribuir-me fumos de
fidalgo" (Cap. I).
Tempo - O tempo é cronológico, cuja primeira referência é o ano de 1857, no momento que José Dias
sugere
a D. Glória a necessidade de apressar a ida de Bentinho para o
seminário. Em 1858, Bentinho vai para o seminário. Em 1865, Bentinho e
Capitu casam-se. Em 1872, Bentinho e Capitu separam-se. Aliás, se
observarmos melhor essas datas, veremos que entre a ida de Bentinho para
o seminário e o casamento decorrem sete anos, entre este último e a
separação mais sete anos. Se tomarmos em conta essa “suposta
coincidência”, podemos perceber que cada período forma um ciclo
completo: ascensão, plenitude e declínio ou morte do sentimento amoroso.
Espaço
- Toda a ação narrativa passa-se no Rio de Janeiro: há inúmeras
referências a lugares, ruas, bairros, praças, teatros, salões de baile
que evocam essa cidade imperial O narrador faz-nos acompanhar sua
trajetória pelos bairros e ruas do Rio, desde o Engenho Novo, onde
escreve sua obra, até a Rua de Matacavalos, onde passou sua infância e
conheceu Capitu. É interessante lembrar, que as duas casas amarram-se
novamente num círculo perfeito, já que a do Engenho Novo foi construída à
semelhança da casa de Matacavalos. A tentativa do narrador de atar as
duas pontas da vida parece funcionar não apenas na ligação entre o
presente e o passado, mas também na própria estrutura da obra, como
vimos na introdução dessa parte. Por outro lado, há também ligeiras
referências a São Paulo, onde foi estudar Direito o ex-seminarista
Bentinho, e também à Europa onde morre Capitu, e mesmo aos lugares
sagrados, onde morre Ezequiel (Jerusalém).
A
riqueza temática de Dom Casmurro obriga os leitores a atos de profunda
meditação, induzindo-os a um trabalho sério de levantamento das
intenções do autor a cada momento. De um modo geral, podemos destacar
que o grande tema dessa obra é a suspeita do adultério nascida dos
ciúmes doentios do narrador e protagonista Bento Santiago. É dessa forma
que Machado conduz a força temática de Dom Casmurro, não utilizando,
como era habitual na literatura realista, o adultério em si, mas a
suspeita do adultério.
Dom
Casmurro resultaria de uma tentativa do pseudo-autor de recompor o
passado, como percebemos em suas palavras: “O meu fim evidente era atar
as duas pontas da vida, e restaurar na velhice a adolescência”. O que
leva Bento Santiago a essa busca do tempo perdido é, indiscutivelmente, a
necessidade de expurgar o sentimento doloroso da dúvida em torno da
traição. O que teria levado Bentinho à situação de indivíduo
ensimesmado, fechado, solitário, teimoso, um casmurro? A narrativa da
primeira parte desse trabalho mostra-nos a construção lenta desse homem
triste e solitário. Para analisarmos o homem, devemos aproveitar a
máxima machadiana de que “o menino é o pai do homem”, surgida num de
seus contos, intitulado Conto de Escola. Primeiro foi a perda do pai,
cujo modelo ele não teve presente para seguir; depois, as proteções
materna e familiares que terminaram por tomá-lo inseguro, mimado,
fragilizado e indeciso ao ser obrigado a tomar qualquer decisão.
Bentinho é inseguro, fraco, ao contrário de sua mãe ou mesmo de Capitu.
Dona Glória, José Dias e a prima Justina fizeram dele um menino mimado,
acostumado com que lhe fizessem todas as vontades. Assim, parecia
incapaz de aceitar a independência das pessoas que o cercavam. Qualquer
passagem além desse limite de seu sentimento de posse parecia-lhe uma
traição. Capitu era independente, tinha vontade própria. Não costumava
tomar conselhos do marido antes de qualquer atitude. O mesmo ocorre com
Escobar, que já não dependia mais do dinheiro de Dona Glória, mãe de
Bentinho, pois se realizara profissionalmente. Capitu sempre soube
exatamente o que queria: casar-se com o garoto rico da vizinhança, ou
seja, Bentinho. Ao contrário de Bentinho, ela é forte, consegue
facilmente dissimular situações embaraçosas, como as duas primeiras
vezes que se beijaram. Em ambas ela tomou a atitude inicial e também
soube sair-se bem diante da mãe, e depois, do pai. Na verdade, é dessa
força de Capitu que nasce a fraqueza de Bentinho. Este não sabia o que
esperar das atitudes da mulher, que seguia seus próprios passos e
princípios. Isso gerava a incerteza e fazia nascer a suspeita. Estamos
certos de que, se o quisesse, Capitu realmente teria traído Bentinho,
sem que esse sequer suspeitasse, se é que não o fez. Ela sabia
dissimular como ninguém e manter-se em seu pedestal. Bentinho sabia
disso e daí cresce a dúvida que o amargura e angustia. A morte, primeiro
dos familiares, depois da mulher e do filho, tornam o narrador um
indivíduo sem amigos, que vive apenas em seu mundo particular, isolado
das demais pessoas. Destruir essa incerteza que o acompanha desde
muito
parece uma questão de vida ou morte, mas Bentinho parece terminar sua
obra sem atingir seu desejo maior. Apesar de ser um bom advogado em
causa própria, cujos argumentos racionais parecem persuadir uma parte
dos leitores, Bentinho não só não provou para si mesmo o adultério de
Capitu - nem o contrário, sua fidelidade -, como não conseguiu
esquecê-la. Ao retomar o passado, retomou também a forte lembrança desse
amor e, claro, de seu ciúme doentio. Mas o que lhe restou senão atacar a
mulher e o amigo, ambos mortos? Ambos sem direito de defesa ampla, como
exigiria a lei? A única saída de Bentinho foi voltar ao seu projeto
inicial de escrever a História dos Subúrbios. Apoiando-se numa frase de
um tenor, Machado de Assis declara que “a vida é uma ópera”. Com efeito,
a existência humana é perpassada de fases, o que evoca bem, como a vida
de Dom Casmurro, os atos de uma ópera: há sempre uma fase de “solo”,
marcado por hesitações e buscas, e unia fase em que se vive um “duo
terníssimo”, em que o eu e o outro (Bentinho e Capitu) se aproximam e se
harmonizam; depois a coisa se complica com a presença de um terceiro
(Escobar), que se instala para formar o triângulo que desfaz a unidade;
enfim surge um quarto (Ezequiel), que esfacela de vez o “duo” da união
harmoniosa de outrora. Tudo se vai e se esvai pela vida, e na alma
humana vão ficando as mágoas e ressentimentos dos sons plangentes que se
desfazem na solidão abissal. Ao apresentar o perfil de Capitu, Machado
de Assis revela traços da psicologia feminina: a arte de dissimular e a
capacidade que tem a mulher para sair-se bem de situações embaraçosas,
como, aliás, se pode ver também em Quincas Borba com Sofia. e outras
obras machadianas. Essa capacidade de dissimulação de Capitu, sem
dúvida, contribui enormemente para deixar no leitor de Dom Casmurro a
dúvida que paira no final do romance: houve ou não houve adultério?
Sem
dúvida, é licito afirmar que, filtrada pela ótica do narrador, Machado
de Assis insinua que a existência humana sempre desemboca na casmurrice e
na solidão. Tudo vai se desfazendo com o crepúsculo da existência
humana: a graça, a beleza, as flores de antanho; pela vida vazia, vão
ficando as lágrimas, a cinza, o nada. Vista de uma perspectiva
pessimista (como é freqüente em Machado de Assis), a velhice é
perpassada de amargura, solidão e sensação de vazio e perda qual se
acentua e dói ainda mais com a consciência da irreversibilidade do
tempo.
E impressionante em Dom
Casmurro a ação devastadora do tempo sobre coisas e pessoas. Poucos
ficam, corno o desencantado Dom Casmurro, para contar a história: todos
são devorados pela ação voraz e demolidora do tempo - todos morrem. E
quem fica vivo, como Dom Casmurro, é atormentado pela mágoa pelos
ressentimentos e sobretudo pela solidão catacumbal da casmurrice e do
desencanto.
Como é próprio da
literatura realista (e sobretudo de Machado de Assis) um dos propósitos
do livro é desmascarar o ser humano, revelando a precariedade e a
hipocrisia das relações sociais.
Outro
ponto que se destaca em Dom Casmurro é a religião, a começar pelo
próprio nome do narrador (Bento, Bentinho) e Capitu, que “está bem
próximo de capeta”. Não se pode deixarde levar em conta a religião no
livro. Pois é o único romance de Machado onde a religião católica
aparece com tanta importância. Em Helena, a religião é um pouco
abstrata, mas aqui é o catolicismo, com suas Aves-Marias, seus
Padres-Nossos, com seus santos, seminários etc. Ele cita a Bíblia de um
jeito terrível. As vezes cita São Pedro (sic) no seu momento mais
anti-feminista - em que as mulheres devem estar sujeitas a seus maridos
-, para reforçar o seu ponto de vista. Ou seja, é um livro que retrata o
catolicismo e retrata mal, evidentemente. Isso está na linha de Eça de
Queirós só que mostra como a religião funciona na vida Intima das
pessoas.
Confrontando com os
romances românticos, que nos passam uma visão idealizada do amor e do
casamento (como é próprio do Romantismo), Dom Casmurro mostra o lado
terrível, contundente, patético (e real?) do casamento, do amor e da
vida. Embora a vida humana possa ter os seus encantos (é perfeitamente
possível o “duo terníssimo” do casamento, da amizade - das relações
sociais), a visão apresentada por Machado de Assis acerca da vida
(especialmente do casamento, do amor e da amizade) é amarga e niilista,
filtrada pela ótica de uni narrador casmurro, ressentido e magoado pelas
trapaças da sorte. Distante do “happy end” dos romances românticos, em
que o casamento é uma verdadeira comunhão de amor, em Dom Casmurro o
casamento é simplesmente uma comunhão de bens, que “dura quinze meses e
onze contos de réis”, como disse o cético Brás Cubas.
Dom
Casmurro narra em primeira pessoa a estória de Bentinho que, por
circunstância várias, vai se fechando em si mesmo e passa a ser
conhecido como Dom Casmurro. Sua estória é a seguinte: Órfão de pai,
criado com desvelo pela mãe em Matacavalos (D. Glória, viúva), José Dias
(o agregado), Tio Cosme (advogado e viúvo) e prima Justina (viúva),
Bentinho possuía uma vizinha que conviveu como
"irmã-namorada"
dele, Capitolina - a Capitu. Seu projeto de vida era claro, sua mãe
havia feito uma promessa, em que Bentinho iria para um seminário e
tornar-se-ia um padre. Cumprindo a promessa Bentinho vai para o
seminário, mas sempre desejando sair, pois se tornando padre não poderia
casar com Capitu A vida do seminário, no entanto, não o atrai.
Apesar
de comprometido pela promessa, também D. Glória sofre com a idéia de
separar-se do filho único, interno no seminário. Por expediente de José
Dias, o agregado da família, Bentinho abandona o seminário e, em seu
lugar, ordena-se um escravo. José Dias, que sempre foi contra ao namoro
de Bentinho e Capitu, é quem consegue retirar Bentinho do seminário,
quase convencendo D. Glória que o jovem deveria ir estudar no exterior.
José Dias era fascinado por direito e pelos estudos no exterior. Correm
os anos e com eles o amor de Bentinho e Capitu. Entre o namoro e o
casamento, Bentinho se forma em Direito e estreita a sua amizade com um
ex-colega de seminário, Escobar, que acaba se casando com Sancha, amiga
de Capitu.
Do casamento de
Bentinho e Capitu nasce Ezequiel. Escobar morre afogado e, durante seu
enterro, Bentinho julga estranha a forma pela qual Capitu contempla o
cadáver. Percebe que Capitu não chorava, mas aguçava um sentimento
fortíssimo e precipita-se a crise. À medida que cresce, Ezequiel se
torna cada vez mais parecido com Escobar. E Bentinho já havia
encontrado, às vezes, Capitu e Escobar sozinhos em sua casa. Embora
confiasse no amigo, que era casado e tinha até filha, o desespero de
Bentinho é imenso. Bentinho muito ciumento chega a planejar o
assassinato da esposa e do filho, seguido pelo seu suicídio, mas não tem
coragem. A tragédia dilui-se na separação do casal.
Capitu
viaja com o filho para a Europa, onde morre anos depois. Ezequiel volta
ao Brasil para visitar o pai e conta da morte da mãe. Bentinho repara a
semelhança entre Ezequiel e o antigo colega de seminário. Ezequiel
volta a viajar e morre no estrangeiro. Bentinho, cada vez mais fechado
em suas dúvidas, passa a ser chamado de casmurro pelos amigos e
vizinhos, e põe-se a escrever de sua vida, surgindo então o romance Dom
Casmurro.
Estilo de Época - Livro Dom Casmurro, de Machado de Assis
O
Realismo é um estilo de época da segunda metade do séc. XIX, marcado
por uma forte oposição às idealizações românticas. Assim, as personagens
realistas apresentam mais defeitos do que qualidades, destacando-se as
temáticas do adultério, dos interesses econômicos, da ambição desmedida,
da dissimulação e da vaidade etc. Os romances realistas sempre se
fundamentam num caso de adultério, como se pode ver nos diversos autores
da época (Eça de Queirós, Aluísio Azevedo etc). Em Dom Casmurro é
exatamente a suspeita de adultério que sustenta o enredo do romance.
Tudo se constrói em
torno desse
possível adultério de Capitu. Entretanto, não há uma preocupação
excessiva em contar a estória, preocupação maior é com a análise, uma
análise dissecante e profunda, em que o escritor procura desnudar a
personagem e revelar as suas entranhas. Sem dúvida por isso, Machado de
Assis retroage à infância, tentando buscar a origem do problema
focalizado.
Embora adote a
primeira pessoa como técnica narrativa, o narrador de Dom Casmurro se
coloca à distância: no extremo da vida (velhice), o protagonista
masculino reconstitui o seu passado, assumindo assim um ângulo de visão
marcado pela objetividade. Embora seja personagem da estaria e participe
dela, o narrador coloca-se fora e ausente enquanto narra e reconstitui
os fatos (“flash-back”).
A
linguagem de Machado de Assis é marcadamente acadêmica: clássica, bem
cuidada, regida pelas normas de correção gramatical. Entretanto, em
alguns pontos, tal como ocorre no Modernismo, ele registra aspectos
típicos da língua da personagem, como nesta fala de um vendedor de
cocada:
- Sinhazinha, qué cocada hoje?
- Cocadinha tá boa...
Outra
marca do estilo machadiano é a tendência para a frase sentenciosa e
proverbial, como aquela em que compara a vida com uma ópera, atribuída
ao tenor Marcolini: “A vida é uma ópera”.
Machado
de Assis, entretanto, ultrapassou a própria estética realista, na qual
está inserido, ao utilizar recursos narrativos que não são típicos dos
demais autores de sua época, antecipando mesmo certos aspectos de
modernidade, o que, aliás, contraria o que disse dele Mário de Andrade
em Aspectos da Literatura Brasileira. O emprego do micro-capítulo e de
técnicas cinematográficas são bons exemplos dessa modernidade.
Outro
aspecto interessante é o uso freqüente de alusões, referências e
citações que vão como que confirmando as suas idéias e pensamentos, o
que, por outro lado, revela bem a espantosa cultura e erudição de
Machado de Assis, adquiridas de forma autodidata como vimos.
Machado
foi o mais fino analista da alma humana, mergulhando densamente na
psicologia de suas personagens para decifrar-lhes os enigmas da alma,
seus sofrimentos, pensamentos e retirando desse mundo íntimo um retrato
humano e social até hoje insuperável.
Seu
estilo não é linear, como nos demais realistas, mas digressivo,
paródico e metalingüístico. Em Dom Casmurro o narrador não se contenta
em contar a sua história, mas parece conduzir o leitor por caminhos
tortuosos através de sua memória e seus pensamentos antes de decifrar
seu passado. Não satisfeito, parece adiar ainda mais os fatos na
tentativa de explicar a própria obra (metalinguagem), justificando-se
com ele (leitor incluso) ou ironizando-o.
As
personagens de Dom Casmurro são apresentadas a partir das descrições de
seus dotes físicos. Tem-se, portanto, a descrição, funcional, bastante
comum no Realismo.
As personagens principais são:
Capitu:
"criatura de 14 anos, alta, forte e cheia, apertada em um vestido de
chita, meio desbotado. Os cabelos grossos, feitos em duas tranças, com
as pontas atadas uma à outra, à moda do tempo,... morena, olhos claros e
grandes, nariz reto e comprido, tinha a boca fina e o queixo largo...
calçava sapatos de duraque, rasos e velhos, a que ela mesma dera alguns
pontos". Personagem que tem o poder de surpreender: "Fiquei aturdido.
Capitu gostava tanto de minha mãe, e minha mãe dela, que eu não podia
entender tamanha explosão". Segundo José Dias, Capitu possuía "olhos de
cigana oblíqua e dissimulada", mas para Bentinho os olhos pareciam
"olhos de ressaca"; "Traziam não sei que fluido misterioso e energético,
uma força que arrastava para dentro, com a vaga que se retira da praia,
nos dias de ressaca". A personagem nos é pintada leviana, fútil, a que
desde pequena só pensa em vestidos e penteados, a que tinha ambições de
grandeza e luxo. Foi comparada, certa vez pela crítica, como a aranha
que devora o macho depois de fecundada.
Inteligente,
prática, de personalidade forte e marcante (ela era muito mais mulher
do que Bentinho, homem), Capitu acaba se tomando a dona do romance:
forma, inicialmente, com o narrador, um “duo terníssimo” e, depois,
possa a constituir o centro do drama do protagonista masculino, com a
entrada em cena de Escobar (“trio") e de Ezequiel (“quattuor”).
Bentinho:
também protagonista, que ocupa uma postura de anti-herói. Não pretendia
ser padre como determinara sua mãe, mas tencionava casar-se com Capitu,
sua amiga de infância. Um fato interessante é que os planos, para não
entrar no seminário, eram sempre elaborados por Capitu. É o narrador e
pseudo-autor da obra. Na velhice, momento da narração, era um homem
fechado, solitário e triste. As lembranças de um passado triste e
doloroso tornaram-no um indivíduo de poucos amigos. Desde menino, foi
sempre mimado pela mãe, pelo tio Cosme, por prima Justina e pelo
agregado José Dias. Essa super-proteção tornou-o um indivíduo inseguro e
dependente, incapaz de tomar decisões por conta própria e resolver seus
próprios problemas. Essa insegurança foi, sem dúvida, o fato gerador
dos ciúmes da suspeita de adultério que estragaram sua vida. O perfil do
protagonista masculino pode ser acompanhado em três fases distintas:
Bentinho, Dr. Bento Fernandes Santiago e Dom Casmurro. Bentinho
revela-se uma criança/adolescente marcado pela timidez, sem muita
iniciativa e bastante dependente da mulher. Tinha uma imaginação
fertilíssima, como no capitulo XXIX (O Imperador). Levado para o
seminário para ser padre (promessa da mãe - D. Glória), quando trava
amizade com Escobar, Bentinho, com ajuda de J Dias, abandona a carreira
sacerdotal e ingressa na Faculdade de Direito, em São Paulo. Formado aos
vinte e um anos, ele é agora o Dr. Bento F. Santiago, bem posto na
vida, financeiramente rico (riqueza muito mais de herança do que de
trabalho), casado e feliz com Capitu, quando canta na ópera da vida um
“duo terníssimo”.
Depois, surge o filho (Ezequiel) e começam a aparecer os problemas.
As personagens secundárias são descritas pelo narrador:
Dona
Glória: mãe de Bentinho, que desejava fazer do filho um padre, devido a
uma antiga promessa, mas, ao mesmo tempo, desejava tê-lo perto de si,
retardando a sua decisão de mandá-lo para o Seminário. Portanto, no
início encontra-se como opositora, tornando-se depois, adjuvante.
Tio
Cosme: irmão de Dona Glória, advogado, viúvo, "tinha escritório na
antiga Rua das Violas, perto do júri... trabalhava no crime"; "Era gordo
e pesado, tinha a respiração curta e os olhos dorminhocos". Ocupa uma
posição neutra: não se opunha ao plano de Bentinho, mas também não
intervinha como adjuvante.
José
Dias: agregado, "amava os superlativos", "ria largo, se era preciso, de
um grande riso sem vontade, mas comunicativo... nos lances graves,
gravíssimo", "como o tempo adquiriu curta autoridade na família, certa
audiência, ao menos; não abusava, e sabia opinar obedecendo", "as
cortesias que fizesse vinham antes do cálculo que da índole". Tenta, no
início, persuadir Dona Glória a mandar Bentinho para o Seminário,
passando-se, depois, para adjuvante. Vestia-se de maneira antiga, usando
calças brancas engomadas com presilhas, colete e gravata de mola. Teria
cinqüenta e cinco anos. Depois de muitos anos em casa de D. Glória,
passou a fazer parte da família, sendo ouvido pela velha senhora. Não
apenas cuidava de Bentinho como o protegia de forma paternal.
Prima
Justina (prima de Dona Glória): Parece opor-se por ser muito egoísta,
ciumenta e intrigante. Viúva, e segundo as palavras do narrador: "vivia
conosco por favor de minha mãe, e também por interesse", "dizia
francamente a Pedro o mal que pensava de Paulo, e a Paulo o que pensava
de Pedro".
Pedro de Albuquerque
Santiago: falecido, pai de Bentinho. A respeito do pai o narrador
coloca: "Não me lembro nada dele, a não ser vagamente que era alto e
usava cabeleira grande; o retrato mostra uns olhos redondos, que me
acompanham para todos os lados..."
Sr.
Pádua e Dona Fortunata: pais de Capitu. O primeiro, "era empregado em
repartição dependente do Ministério da Guerra" e a mãe "alta, forte,
cheia, como a filha, a mesma cabeça, os mesmos olhos claros". Jamais se
opuseram à amizade de Capitu e Bentinho.
Padre
Cabral: personagem que encontra a solução para o caso de Bentinho; se a
mãe do menino sustentasse um outro, que quisesse ser padre, no
Seminário, estaria cumprida a promessa.
Escobar:
amigo de Bentinho, seminarista, "era um rapaz esbelto, olhos claros, um
pouco fugitivos, como as mãos,... como tudo". Ezequiel Escobar foi
colega de seminário de Bentinho e, como este, não tinha vocação para o
sacerdócio. Melhor amigo de Bentinho. Gostava de matemática e do
comércio. Quando saiu do seminário, conseguiu dinheiro emprestado de D.
Glória para começar seu próprio negócio. Casou com Sancha, melhor amiga
de Capitu. Morreu afogado depois de enfrentar a ressaca do mar.
Sancha: companheira de Colégio de Capitu, que mais tarde casa-se com Escobar.
Ezequiel:
filho de Capitu e Bentinho. Tem o primeiro nome de Escobar. Quando
pequeno, imitava as pessoas. Vai para a Europa com a mãe, estudou
antropologia e mais tarde volta ao Brasil para rever o pai. Morre na
Ásia de febre tifóide perto de Jerusalém.
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