O Professor
A tabuada não basta. Como não bastam funções hiperbólicas, variáveis
complexas, orações subordinadas. Não bastam Euclides e sua geometria,
não bastam as teorias. O professor deve ensinar ao aluno a arte de viver
com dignidade, com amor, com liberdade.
Não basta falar das
guerras, das batalhas, das conquistas — tem que ensinar o aluno a
conquistar-se primeiro a si próprio. Ensinar-lhe medir distâncias é
pouco — necessário vencê-las. Não basta saber o nome dos rios, temos que
fluir. Equações algébricas não resolvem tudo, antes é preciso
resolver-se. Em vez das mentiras históricas, o professor deve ensinar as
verdades, e o melhor modo de encontrá-las.
Não basta falar de
política, o professor tem que ser democrata. Deve olhar nos olhos do
aluno e dizer-lhe como a vida é. Aumentar-lhe a coragem de crescer.
Ensinar-lhe a lógica das emoções e o amor pelo raciocínio.
O
professor transmite sabedoria, incentiva o bom senso e o bom gosto.
Mergulha fundo no oceano de dúvidas que o aluno tem no coração, e traz o
tesouro pulsante lá submerso. Educa, orienta, aviva a chama na
consciência de cada. Ao polir a pedra bruta consegue intenso brilhante.
Bom professor é aquele que não exige, não cobra — obtém. Não corrige —
mostra o porquê. Não hesita quando avalia, não constrange quando
examina. E nunca faz da nota uma espada.
O bom professor não só
ensina, compreende. Não levanta a voz, amplifica o verbo, convence. É
sério — mas ri da própria seriedade. Fala do êxtase, da alegria e da
profunda emoção que explode no seu peito quando ensina, como pétalas no
riso de quem ama.
O professor mostra ao aluno a diferença entre
o silogismo e a serpente. Ensina-o a extrair raiz quadrada com poesia.
Demonstra como ser ousado sem ser burro. Jamais abusa da confiança do
aluno, não lhe invade o espaço, não procura condicioná-lo. Não cria
relações de dependência, nem exerce dominação sádica sobre ele.
Infunde-lhe o respeito absoluto pela vida. Prefere o aluno criativo ao
bem-comportado. Nunca o explora, é só o conquistador de um novo mundo,
que leva o aluno a ver mais — mais alto e mais longe.
Não
levanta paredes em torno do aluno, e sim derruba aquelas que houver.
Abre-lhe as portas da vida, com veemência. Não o repreende, não o
censura, não o recrimina. Mostra ao aluno a importância da inteligência
na determinação do seu futuro. O velho dilema entre a caneta e a
vassoura...
Como Sócrates, o bom professor não vê glórias no
que sabe, não esconde o que conhece, nem oculta o que possa não saber.
Brinca, tem confiança em si, e não faz da escola uma cela.
Moderno, convence o aluno a saltar os muros da tradição, porque a
aventura está sempre do outro lado. Lógico, respeita aquele que aprendeu
a questionar. Não o sufoca com preconceitos nem com juízos de valor.
Nem lhe causa medo algum. Transmite confiança, pega na mão, aplaude,
incentiva, suporta, conduz, ampara na travessia.
Não é
hipócrita, faz o que diz e diz o que pensa. É um farol que não vela o
que descobre. Mostra um caminho. E não apenas mostra — demonstra,
comprova, define.
Aranha em teia de luz, o professor não prende
— liberta. Carrega o giz como fosse uma flor, com amor. E quando faz a
linha tem firmeza, mas não separa. Ora Dali, ora Picasso, vai colocando a
tinta, pondo seu traço, amando seu gesto, compondo a canção. Enaltece o
risco do sonho, o círculo do fogo, a pureza da alma, o princípio da
vida, o anel da esperança.
Considera o aluno obra de arte quase
inacabada. Ama-o como se fosse um anjo. E nunca vai matar-lhe no peito a
vontade de ser livre.
O professor é o amigo sincero que ajuda o
aluno a superar os limites da vida, desbravando com determinação e
ousadia essa fantástica região chamada Experiência.
Enfim — o professor é o Mestre.
Autor: Edson Marques — No livro SOLIDÃO À MIL — Páginas 152-153
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