Em janeiro, o jornal francês Charlie Hebdo sofreu um ataque por conta das charges que costumava publicar. O trágico acontecimento mostrou o poder crítico que esse tipo de ilustração possui. Saiba mais sobre a charge, produção que articula imagem e palavra, humor e crítica
Esdras Soares
Não se pode precisar exatamente quando a primeira charge surgiu, sabe-se, somente, que foi na Europa, no início do século XIX. A palavra “charge” vem do francês “charger”, que significa “carga” – não é por acaso, pois esse é um dos seus aspectos: carregar, exagerar na representação das características de alguém ou de algo.
A charge faz uma crítica a um acontecimento atual, normalmente de caráter político ou social. Um leitor desatento suporia se tratar de uma piada, mas à luz de uma leitura cuidadosa, perceberá que se trata, na verdade, de uma poderosa crítica, de uma tomada de posição vigorosa.
Em geral, por ser uma articulação entre palavra e imagem, o impacto da informação contida ali é mais imediato. A charge expressa uma opinião, e por isso comumente circula em jornais, revistas e na internet, alcançando, dessa maneira, um grande público. O artista seleciona um fato da atualidade, desenha e imprime ali a sua opinião, geralmente carregada de crítica, humor e ironia.
Por exemplo, em 1831, na França, o artista Honoré Daumier publicou uma charge na qual representava o rei Luis Filipe I. Chamada de “Gargântua”, a ilustração ridicularizava o rei, representando-o como um homem enorme, que comia todo o ouro e até mesmo os seus súditos. A charge custou a Honoré seis meses de prisão. Em compensação, a sua fama se alastrou depois do ocorrido.
Quando chega ao Brasil, a charge parece ter encontrado terreno fértil por essas terras. A primeira charge que se tem notícia por aqui é “A Campainha e o Cujo”, de autoria de Manuel de Araújo Porto Alegre. Publicada em 1837, satiriza o jornalista Justiniano José da Rocha, ligado ao jornal Correio Oficial, que era acusado de receber propina. O texto diz:
A Campainha
Quem quer; quem quer redigir
O Correio Oficial!
Paga-se bem. Todos fogem?
Nunca se viu coisa igual
O Cujo
Com três contos e seiscentos
Eu aqui'stou, meu senhor
Honra tenho e probidade
Que mais quer d'um redator?
A charge é um eficaz instrumento de crítica, e por isso, por muitas vezes desperta o ódio das “vítimas” ou “alvos” da ilustração. Muitos artistas a utilizam como forma de militância. São famosas as charges de Belmonte, que satirizavam Hitler ou Mussolini na época da Segunda Guerra Mundial. Ou nos anos da ditadura militar brasileira, quando muitos artistas usavam a charge para expressar suas opiniões; nomes como Ziraldo, Millôr, Henfil, Jaguar, Ivan Lessa, Chico Caruso e muitos outros utilizavam seus desenhos para combater o regime.
Não se pode reduzir a charge a um “desenho”, apenas. Lembremos, novamente, que não é por acaso que elas são publicadas em jornais e nas sessões de opinião dos mais variados suportes. Charge e linguagem estão totalmente associados, trata-se de uma combinação entre a linguagem verbal e a não-verbal.
A charge nunca é autoexplicativa, ela exige um conhecimento prévio do leitor para que ele possa apreender o sentido em sua totalidade. Ou seja, trata-se de um processo de intertextualidade; quem lê deve construir analogias e associar aos seus conhecimentos prévios. Não à toa, é um conteúdo cada vez mais cobrado nos vestibulares e tema nas aulas de Língua Portuguesa nas escolas Brasil afora.
Qual a diferença entre charge, cartum, caricatura e tirinha?
Cartum: É semelhante à charge, mas não busca satirizar um acontecimento específico, mas brincar com uma situação do dia-a-dia, com as coisas mais comuns e corriqueiras do cotidiano.
Caricatura: Trata-se de representar uma pessoa específica com os traços físicos exagerados (uma pessoa muito alta, ou com a boca grande etc) ou características pessoais (uma pessoa com a cara de irritada, uma pessoa muito gentil etc). Atenção: normalmente o artista utiliza caricaturas para elaborar suas charges.
Tirinha: Sequência de quadrinhos que possui uma narrativa. Normalmente, possui uma crítica, piada ou uma situação inusitada. Uma das tirinhas mais conhecidas é a da personagem “Mafalda”, criada pelo argentino Quino (clique aqui).
Dicas de leitura
Felizmente, no Brasil temos uma série de chargistas na ativa. O Portal Escrevendo o Futuro fez uma seleção para que você conheça melhor a obra desses artistas:
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